Texto de Claude Bornel
Fonte: http://www.opovo.com.br/colunas/sequencial/765010.html
Já comentamos aqui na Seqüencial que os quadrinhos são produzidos pelas grandes editoras para satisfazer as vontades do público masculino (Leia aqui). Os heróis são sempre apresentados como aqueles que salvam o dia e se sacrificam pelo bem da humanidade. As heroínas podem até fazer a mesma coisa, mas sempre vestidas com uma roupinha colante ou curtinha. Por que elas não podem combater os malfeitores sem a toda hora mostrar a bunda?
A DC Comics, que não consegue bater a Marvel já algum tempo, está tentando provar que as heroínas não precisam se despir para se sobressair. E, muitas vezes, sequer precisam de super-poderes para salvar o dia. Apenas de histórias capazes de falar a mesma língua das leitoras. Tramas nas quais elas possam ver um pouco de si mesmas ou, se não for assim, ao menos encontrar ali um bom motivo de entretenimento sem apelação.
A editora do Super-Homem, do Batman e da Mulher-Maravilha lançou no fim do ano passado a linha de gibis Minx, com HQs voltadas para adolescentes do sexo feminino. Um desses gibis parou sem querer nas mãos deste colunista.
Numa loja especializada em West Palm Beach (EUA), a espera na fila para pagar o que tinha nas mãos foi ocupada com olhadas despretensiosas no que havia perto do caixa. Ali, escondida da maioria dos clientes, atrás de uma pilastra em uma prateleira baixa, a capa com fundo branco de Good As Lily se sobressaía das coletâneas de heróis ao seu lado, com suas capas cansativamente multi-coloridas.
O texto da contra-capa perguntava "e se a sua maior concorrente fosse você mesmo?". Uma questão universal, na verdade. Não adolescente. Quem nunca ouviu alguém dizer "você é o maior inimigo de você mesmo", referindo-se a coisas que a gente não se permite fazer?
Daí a leitura da contra-capa explicava que a mocinha da história chamava-se Grace (e não Lily), cujo aniversário de 18 anos é presenteado com um encontro surreal: três outras versões de si mesma, aos 6, aos 29 e aos 70 anos. A história soou bem interessante e foi incluída na compra. Mais que isso, acabou sendo devorada antes dos demais itens adquiridos.
Good As Lily tem uma apresentação gráfica simples. Mais parece um mangá com suas 148 páginas em formato 13 cm x 20 cm, com desenhos em preto e branco e personagens de feições asiáticas. Na verdade, influência direta do escritor Derek Kirk Kim, nascido na Coréia do Sul e residente nos Estados Unidos.
O texto é muito bacana e casa perfeitamente com o traço simples e descontraído de Jesse Hamm - que criou um dos personagens (Jeremy) com a cara de Derek. Sim, um gibi para meninas todo feito por dois homens. E com que sensibilidade, diga-se de passagem.
Gostinho de quero mais
Grace é uma garota comum na aparência, mas que se sobressai pela inteligência -acabou de ganhar uma bolsa para estudar na universidade de Stanford. Aos 18 anos, está cheia de dúvidas sobre o futuro. Ela sabe que suas escolhas serão decisivas para o resto da vida. Ao mesmo tempo, alimenta uma paixão platônica pelo professor de Artes, Mr. Levon, que a cega para outras possibilidades amorosas.
A menina divide essas angústias com os amigos no dia em que ganha um pique-nique no parque como festa surpresa de aniversário. Em dado momento, Grace vai comprar sorvete junto com a amiga Rona numa carrocinha. A vendedora diz que não tem, mas convence a aniversariante a comprar uma pinhata (neste caso, um porquinho feito de papel marchê para ser pendurado e depois quebrado por um pedaço de pau e depois comer os doces dentro dele).
Todos entram na brincadeira e se divertem com Grace, de olhos vendados, tentando acertar o porquinho. Depois de muito tentar, sem exatamente conseguir quebrar a pinhata, descobre que estava vazia. Hmm... Realmente vazia?
Já de noite, Grace se dá conta que esqueceu no parque o presente dado por Jeremy e vai correndo até lá. No caminho, o encontro com seus três "Eu's". A jovem imagina estar sonhando, mas no dia seguinte se dá conta de que não ficou doida. Elas realmente fazem parte de sua vida e vão lhe mostrar muito mais sobre "escolhas" do que a Grace de 18 anos, sozinha, poderia descobrir.
Depois de ler a última página de Good As Lily, pode ter certeza que a leitora (e por que não também o leitor?) vai ficar com um gostinho de quero mais nos olhos. E mais que isso. Vai ter a certeza de que, pelo menos hoje em dia, existem gibis para meninas com histórias melhores que os gibis produzidos apenas para meninos.
Se formos lembrar alguns dos clássicos das HQs como Cavaleiro das Trevas, Watchmen, V de Vingança e Elektra Assassina vamos nos dar conta de que neles, acima de tudo, existem tramas extremamente bem elaboradas, que prendem do começo ao fim. O problema de hoje é que grande parte dos gibis de heróis se preocupa mais com estética visual do que com conteúdo. Dessa forma, é difícil imaginar um lançamento que possa se candidatar à condição de clássico nos próximos 10 anos.
Ainda é muito cedo para dizer, mas a julgar pela qualidade de Good As Lily é possível que um futuro novo clássico das venha de uma HQ feita para meninas, e não de super-heróis. Quem sabe?
Enquanto esse futuro não chega, a leitora (e o leitor, por favor) pode se divertir descobrindo este novo universo de gibis que se abre. O website da Minx(http://www.dccomics.com/minx/) é um ótimo ponto de partida.
Organizado na forma de uma estante, os ícones dispostos nas prateleiras levam a informações sobre os demais títulos da nova linha da DC Comics - entre eles, os promissores Re-Gifters, Clubbing e Confessions of a Blabbermouth. Inclusive algumas páginas de demonstração que podem ser acessadas gratuitamente.
Bendita a hora que este colunista ficou esperando naquela fila.
Fonte: http://www.opovo.com.br/colunas/sequencial/765010.html
Imagens:
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Já comentamos aqui na Seqüencial que os quadrinhos são produzidos pelas grandes editoras para satisfazer as vontades do público masculino (Leia aqui). Os heróis são sempre apresentados como aqueles que salvam o dia e se sacrificam pelo bem da humanidade. As heroínas podem até fazer a mesma coisa, mas sempre vestidas com uma roupinha colante ou curtinha. Por que elas não podem combater os malfeitores sem a toda hora mostrar a bunda?
A DC Comics, que não consegue bater a Marvel já algum tempo, está tentando provar que as heroínas não precisam se despir para se sobressair. E, muitas vezes, sequer precisam de super-poderes para salvar o dia. Apenas de histórias capazes de falar a mesma língua das leitoras. Tramas nas quais elas possam ver um pouco de si mesmas ou, se não for assim, ao menos encontrar ali um bom motivo de entretenimento sem apelação.
A editora do Super-Homem, do Batman e da Mulher-Maravilha lançou no fim do ano passado a linha de gibis Minx, com HQs voltadas para adolescentes do sexo feminino. Um desses gibis parou sem querer nas mãos deste colunista.
Numa loja especializada em West Palm Beach (EUA), a espera na fila para pagar o que tinha nas mãos foi ocupada com olhadas despretensiosas no que havia perto do caixa. Ali, escondida da maioria dos clientes, atrás de uma pilastra em uma prateleira baixa, a capa com fundo branco de Good As Lily se sobressaía das coletâneas de heróis ao seu lado, com suas capas cansativamente multi-coloridas.
O texto da contra-capa perguntava "e se a sua maior concorrente fosse você mesmo?". Uma questão universal, na verdade. Não adolescente. Quem nunca ouviu alguém dizer "você é o maior inimigo de você mesmo", referindo-se a coisas que a gente não se permite fazer?
Daí a leitura da contra-capa explicava que a mocinha da história chamava-se Grace (e não Lily), cujo aniversário de 18 anos é presenteado com um encontro surreal: três outras versões de si mesma, aos 6, aos 29 e aos 70 anos. A história soou bem interessante e foi incluída na compra. Mais que isso, acabou sendo devorada antes dos demais itens adquiridos.
Good As Lily tem uma apresentação gráfica simples. Mais parece um mangá com suas 148 páginas em formato 13 cm x 20 cm, com desenhos em preto e branco e personagens de feições asiáticas. Na verdade, influência direta do escritor Derek Kirk Kim, nascido na Coréia do Sul e residente nos Estados Unidos.
O texto é muito bacana e casa perfeitamente com o traço simples e descontraído de Jesse Hamm - que criou um dos personagens (Jeremy) com a cara de Derek. Sim, um gibi para meninas todo feito por dois homens. E com que sensibilidade, diga-se de passagem.
Gostinho de quero mais
Grace é uma garota comum na aparência, mas que se sobressai pela inteligência -acabou de ganhar uma bolsa para estudar na universidade de Stanford. Aos 18 anos, está cheia de dúvidas sobre o futuro. Ela sabe que suas escolhas serão decisivas para o resto da vida. Ao mesmo tempo, alimenta uma paixão platônica pelo professor de Artes, Mr. Levon, que a cega para outras possibilidades amorosas.
A menina divide essas angústias com os amigos no dia em que ganha um pique-nique no parque como festa surpresa de aniversário. Em dado momento, Grace vai comprar sorvete junto com a amiga Rona numa carrocinha. A vendedora diz que não tem, mas convence a aniversariante a comprar uma pinhata (neste caso, um porquinho feito de papel marchê para ser pendurado e depois quebrado por um pedaço de pau e depois comer os doces dentro dele).
Todos entram na brincadeira e se divertem com Grace, de olhos vendados, tentando acertar o porquinho. Depois de muito tentar, sem exatamente conseguir quebrar a pinhata, descobre que estava vazia. Hmm... Realmente vazia?
Já de noite, Grace se dá conta que esqueceu no parque o presente dado por Jeremy e vai correndo até lá. No caminho, o encontro com seus três "Eu's". A jovem imagina estar sonhando, mas no dia seguinte se dá conta de que não ficou doida. Elas realmente fazem parte de sua vida e vão lhe mostrar muito mais sobre "escolhas" do que a Grace de 18 anos, sozinha, poderia descobrir.
Depois de ler a última página de Good As Lily, pode ter certeza que a leitora (e por que não também o leitor?) vai ficar com um gostinho de quero mais nos olhos. E mais que isso. Vai ter a certeza de que, pelo menos hoje em dia, existem gibis para meninas com histórias melhores que os gibis produzidos apenas para meninos.
Se formos lembrar alguns dos clássicos das HQs como Cavaleiro das Trevas, Watchmen, V de Vingança e Elektra Assassina vamos nos dar conta de que neles, acima de tudo, existem tramas extremamente bem elaboradas, que prendem do começo ao fim. O problema de hoje é que grande parte dos gibis de heróis se preocupa mais com estética visual do que com conteúdo. Dessa forma, é difícil imaginar um lançamento que possa se candidatar à condição de clássico nos próximos 10 anos.
Ainda é muito cedo para dizer, mas a julgar pela qualidade de Good As Lily é possível que um futuro novo clássico das venha de uma HQ feita para meninas, e não de super-heróis. Quem sabe?
Enquanto esse futuro não chega, a leitora (e o leitor, por favor) pode se divertir descobrindo este novo universo de gibis que se abre. O website da Minx(http://www.dccomics.com/minx/) é um ótimo ponto de partida.
Organizado na forma de uma estante, os ícones dispostos nas prateleiras levam a informações sobre os demais títulos da nova linha da DC Comics - entre eles, os promissores Re-Gifters, Clubbing e Confessions of a Blabbermouth. Inclusive algumas páginas de demonstração que podem ser acessadas gratuitamente.
Bendita a hora que este colunista ficou esperando naquela fila.
Fonte: http://www.opovo.com.br/colunas/sequencial/765010.html
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