
Faz muito tempo que eu não me venho perdido por aí, fazendo minhas bobeiras, as traquinagens que me lembravam os tempos de criança, as pirraças. Há tempos eu estava trancafiado naquele antro repleto de baratas que tinham uma atração irresistível em permanecer em cima do chuveiro. Falando nisso, os carrapatos tinham uma atração irresistível pelo meu pênis, já que acordei umas três vezes com eles me chupando. Nojento, não? Eu estava mais que adaptado àquela vida, mas não quer dizer que eu deveria gostar. Só um maluco gostaria. Eu estava na cadeia. Há tempos também que eu não entrava mais em contato com a minha mãe, do jeito que nunca tivemos uma boa relação - fora a minha infância - não me surpreenderia se ela própria havia decidido cancelar as visitas. Praticamente era a única parente que me visitava, a minha "outra" estava bastante ocupada...viajando, tomando champagne, peidando perfume e conquistando centenas de modelos bonitões que obrigatoriamente têm sobrenome italiano. Quando não pensava nelas, pensava nos dias que faltavam para sair da bosta, eu havia compreendido o sentido de ter bom senso, nunca mais poderia cometer erros como...participar duma seita e roubar a grana deles enquanto os fiéis estavam se matando. Grande esperto eu fui, não?
A temporada na cadeia havia me dado uma dose tremenda de amadurecimento...e o fato de eu dormir de um olho fechado e um aberto. Porém, a temporada estava chegando ao fim. Jurei nunca mais cometer algo que pudesse entristecer a minha família ou a meus amigos. 2 anos...2 anos de molho e a sociedade iria me receber de um modo que eu nunca havia provado na pele, claro. Eu era um playboy e este era meu apelido na prisão. Além do furto na igreja em chamas, os "homens" puxaram minha ficha e sacaram que eu havia sido preso em uma cidadezinha da Bahia por eu ter metido um soco na casa de um delegado local. Minha mãe soube disso, ao invés de ficar uma arara, manteve o decoro como sempre. Enfim, já está quase na hora de sair dessa cela. Fiz a prece de despedida, tomei um banho caprichado e mantive o antro limpinho. Estava na hora de reconhecer o mundo.
Este era Pedro Teixeira. 32 anos, mas aparentava ter 10 anos menos, o que ele detestava lembrar. Foi chamado de "moleque" a vida toda, mas isso era mais do que verdade, já que era punido efetivamente por suas molecagens. Era mais um dos poucos membros de famílias abastadas do bairro nobre da Barra da Tijuca que haviam se mudado. Motivo? Falta de calor humano. No caso de Pedro, a falta era tanta que ele passava noites a fio em boates, procurando futuros relacionamentos, mesmo sabendo que a "mulher perfeita" nunca apareceria naquele mundaréu de gente fútil e que te chama de "colega". Pedro era playboy mas fazia questão de ajudar os pobres de uma instituição de menores do bairro da Tijuca, Zona Norte do Rio...até quando descobriram que ele havia mantido relações sexuais com a coordenadora, uma ruiva francesa que havia me "descoberto" no Fórum Social Mundial. Suas idéias bateram uma na outra, e ele ensinou para ela a língua portuguesa além de otras coisitas más. Falando em língua, ela soube usar muito bem a dela, segundo ele. E ela era casada. O dinheiro falou mais alto na hora de livrar seu rabo e ele prometeu nunca mais cometer um erro semelhante. Não cometeu, mas direcionou sua cabecinha de alfinete para outros "desvios"...o roubo na igreja foi o último deles. Espera que sim.
Pedro saiu da cadeia com um sorriso de orelha a orelha. Não havia ninguém esperando por ele, mas o delegado lhe passou um sermão lhe aconselhando ter cuidado e não vacilar novamente. Ofereceu uma dose de whisky, Pedro agradeceu. Ao sair da prisão, tão logo apareceu uma pick-up preta na sua frente.
- Oi! - disse a menina que estava dirigindo. - Me desculpe chegar só agora, o trânsito estava péssimo. Ainda bem que cheguei a tempo, né?
- É - disse Pedro. - Achei que minha mãe estaria aqui, mas depois eu saquei que seria surpreendente demais se isso acontecesse. Daí, ela mandou sua "travinha"preferida, huhehehe!
- Fico lisonjeada com pela parte que me toca. Estes dois anos te fizeram ficar mais preconceituoso? Achei que a cadeia melhoraria a mente das pessoas.
- Tremenda bobeira você pensar isso. Não tamos na Suécia, aqui a coisa pega pesado. Mas, enfim, eu não quero ir pra casa nesse momento, queria ver o mar.
- Nossa, que clichê. Mas, tudo bem. Como é o meu irmãozinho que tá dizendo...
Então Pedro e sua "irmã" foram até a praia da Barra da Tijuca. Ele sempre foi uma pessoa estranha e fazia questão de passar isso para as pessoas. Era mais ou menos como o "do contra" da família. Sempre rebelde, alguns parentes até acharam tarde demais que ele voltasse a cometer outra merda depois no incidente no interior da Bahia. E esta última merda não teve como se safar. Resultado? 2 anos de cadeia. Ainda era cedo demais para dizer se a experiência deu um bom resultado. Sua mente ainda estava estática, cinza, no limbo. Mas, agiu naturalmente ao zoar sua parente. Chegando na praia, a menina não imaginou o que ele iria fazer, mas tava mais do que claro.
- Tá chovendo pra caralho, vai ficar zanzando pela orla dessa forma? - perguntou ela.
- Não, querida. Vou fazer uma coisa que eu sempre desejei desde que eu entrei naquela cela fedendo a bunda! - Mesmo debaixo de muita chuva, Pedro saiu do veículo, andou calmamente até a areia da praia e chegando à água, mergulhou. "não sabia que ele era mais maluco do que já é", pensou a menina. Mas, é por aí mesmo. Deu umas cinco mergulhadas, onde pôs em dia suas "técnicas de natação". 20 minutos depois, recebeu uma chamada de sua parente. "Vambora!". Ele precisava relaxar, e muito. Os mergulhos foram mais ou menos como uma "entrada" para sua nova vida, como ele pensava.
- E então, vamos pra casa ou você ainda tem mais alguma loucura pra fazer? - disse ela.
- Chama isso de "loucura"? Eu tenho umas coisas pra fazer, sim, deixa eu desestressar um pouco. Não tem nada melhor que curtir antes de enfrentar a megera, por isso que eu digo: ESTOU DE VOLTA, PORRA!
A rigor, seria isso.
Voltando para o carro todo encharcado, fez questão de se secar como um cachorro, só para incomodar sua prima. É, ele não tinha mudado seu modo de pensar nem seu modo de fazer brincadeiras de mau gosto. Era o velho Pedro de sempre e que não daria para mudar tão cedo. A chuva foi dando uma trégua com o tempo até que depois de um giro pela Barra da Tijuca e brincadeiras a parte, resolveram dialogar:
- Eu estava com muita saudade da liberdade, mas no meu caso foi até bom descobrir o "lado B" da vida, hein? Se bem que isso não mudou meu jeito de ser.
- Ninguém da nossa família esperava que você saísse um evangélico lá de dentro. Você sempre foi o mais..."diferente" da família, mas não exatamente uma "ovelha negra". Bem, pelo menos eu nunca pensei isso, sempre estive do seu lado.
- É pra chorar? Eu sei como você é desde criancinha e sei o que sente por mim. Você é até mais maleável que a minha mãe. Mas me diga uma coisa...pode dizer?
- Sim, claro. Digo, depende do teor...
- Você já cortou o piru? - feita a pergunta, obviamente que ela ficou encabulada. - Me desculpe dizer, antes de eu ser preso, você havia me dito que iria tirar, não sei como tá a sua situação em relação a isso, ou você simplesmente será o eterno travesti com cara de menininha de sempre, mas que tem um jebão aí em baixo?
- Eu...peço que você se refira a mim com um pouco mais de respeito. Nós somos primos e muito amigos, mas não quer dizer que eu tenha de aturar esse tipo de desrespeito. Aliás, nenhuma forma de desrespeito. Você tem o dom de colocar tudo a perder, meu chapa.
- Ok, me desculpe. É que parece que acabei de ressucitar e estou curioso a respeito de algumas coisas. Curioso a respeito do seu corpo, por exemplo. Você me disse que iria cortar a "cobra" fora, etc e tal.
- Eu já fiz, foi logo depois de você ser preso. E como você vê, tirei o pomo de adão, pedi para injetar hormônios nos meus seios e tudo mais. Sei que vai guardar esse babado todo pra si mesmo, mas você iria saber de qualquer forma...só esperava que fosse mais educado ao perguntar.
- Eu já pedi desculpa. Mudando de assunto, estou com fome. Faz tempo que eu não mastigo carne. Há 2 semanas que só recebi sopa na cadeia.
- Vamos pro McDonalds, tem um logo aqui perto.
- Nãão, vamos comer algo de verdade e eu também não estou afim de aturar atendentes com vozes irritantes com e espinhas pra cuidar. Tem um restaurante bacana na Armando Lombardi, se não me lembro. Aquele que a gente sempre comia quando comemorava seu aniversário...vamos lá.
Daí, os dois chegaram ao estabelecimento e se fartaram até não poder mais: batata, carne à vontade, salada verde, linguiça, arroz, feijão, frutas...o sujeito bebeu como se havia passado um mês penando no Deserto do Saara. Era prato atrás de prato, mas claro, ele sabia que sua prima estava bancando tudo.
- Dá gosto de ver você se esbaldando na comida - disse ela, sorrindo enquanto Pedro bebericava guaraná natural.
- Embora eu tivesse sido "agraciado" pela Cela Especial, isso não se aplicava ao que era servido pra mim. Eu comia praticamente a mesma comida dos presos e a coisa só mudava de figura quando eu fazia uns "trabainho" e com isso tive direito a pizza, entre outras regalias.
- Que espécie de "trabainho" é esse? Favores sexuais, ou algo do tipo? Me desculpe ser direta, huehehe.
- Não. Eu precisava de grana pros cigarros, pra pinga, pra pizza e pra carne de primeira. Tinha um dia lá que a galera teve de fazer fila pra comer um viado. Achei espetacular que eu tinha sido o primeiro, já que eu sempre me matava na punheta. O cara era homem e tal, mas fazer o quê? Ele acabava de entrar na prisão e foi com o consentimento do mesmo. Como estava há mais de um ano sem transar, tive que aceitar, oras. Imaginei que seria a bunda daquela modelo magrela superestimada e mandei ver.
- Você...você realmente fez isso? - perguntou a prima, visivelmente pasma.
- Claro que não, estou apenas brincando com você. Tá, essa foi a última vez, estou tão empolgado com a liberdade que estou passando dos limites. E vi algumas revistas em quadrinhos lá no carro, eram suas?
- Sim. Eu comecei a entrar mais na internet e agora estou participando de um fórum de discussão relativo à quadrinhos, desenhos japoneses e afins. O pessoal é bacana, mas alguns são bobinhos de dar dó. Me lembram você. Até cogitei um encontro, mas é provável que eles fiquem chateados comigo, já que estão cantando a pessoa errada.
- Mas, nerd é assim, esperava o quê? Falando nas suas revistas, vi um encadernado ali do MESTRE inglês barbudão.
- Ah, você já ouviu falar nele?
- Sim, claro. Eu era nerd, até o momento em que cansei de ficar batendo boca com quem provavelmente não valeria um centavo furado. Optei pelo lado mais sensato. Quanto custou esse TP (encadernado)?
- 90 reais.
- Tá certo que somos dois boa-vida, mas 90 reais por um TP de mais ou menos 100 páginas é uma bruta babaquice, não? Mas, tranquilo, o dinheiro é seu. Eu ajudava as criancinhas daquele abrigo, creio que você deveria fazer como eu e ajudá-las também ao invés de gastar com gibi...e pior, vi o tipo de papel dele. Comparando com o higiênico, quase não difere muito.
- Não acredito que você está dando uma de ingrato pra cima de mim. Eu sou a única pessoa que te recebe depois que você ganha a liberdade, banquei seu almoço e você vem despejar sua verborragia julgadora e inútil pra cima de mim? Dá um tempo, cara, você está insuportável, hoje! - Ela sai aborrecida da mesa e vai pra fora. Pedro achou que ela seria mais paciente, mas do jeito em que ele se empenhava em ser um chato de galocha, até o mais paciente dos budistas iria mandá-lo tomar no olho do cu, DO CU por seus desaforos. Vai ser chato assim no inferno.
Engolindo seco, ele sai da mesa e vai até ela, escorada na pick-up, quase chorando. Por fim, escuta um "não fica triste" de Pedro. A abraçou carinhosamente. Tocou em seu rosto e enguxou suas lágrimas. "Me desculpe", disse ele. É, ele realmente parecia arrependido.
- Pô, eu me importo pra caramba com você, provavelmente até mais que a sua mãe e você vem agir dessa forma comigo...
- Ok, ok, vamos voltar, tem muito babado que precisamos comentar. Falando em babado, e sobre a minha irmã, nenhum paradeiro dela?
- Ué, depois que ela se tornou uma "cantriz", certamente não entraria em contato conosco do jeito de antes. - E era mesmo.
A irmã de Pedro comparecia ao lar ao menos uma vez por mês e quase sempre nunca falava dele. Nem falava mal. A partir do momento em que seu irmão foi encarcerado praticamente deixou de existir para ela. Seu nome era Michelle, 30 anos de idade. Sua "prima" se chama Nicole, ex-Nicolas, transsexual de 28 anos, a pessoa mais normal da família. Sua mãe? Elizabeth, descendente de uma linhagem real brasileira que hoje em dia está caindo em decadência. 69 anos. Sua família era mais do que rica, fazia questão de dizer que "tinha brazão" e gastava demais em compras, esbanjava dinheiro. Pedro era um dos únicos membros que comprava suas roupas em brechó, odiava shoppings e pessoas fúteis. A maior parte de seu tempo era dedicada a seu emprego - taxista - a pelada nos domingos com suas amigas e às noites de farra em companhia de seu melhor amigo Rocco, um italiano radicado no Brasil, festeiro e que se drogava para aturar a sua difícil rotina de trabalho. Falando nele, o sujeito acabou de ligar para Nicole. "O Rocco quer falar com você", disse ela.
- E aí, rapaz, finalmente ganhou a liberdade, hein? - disse Rocco, todo empolgado.
- Já era hora, mas você sabia que eu iria sair hoje e nem me esperou, hein?
- Eu estava muito ocupado fazendo os preparativos pra festa, porra! Eu te disse que iria ter festa em sua homenagem, hoje, às 23:00! Lá na minha casa! Só espero que não seja idiota de faltar!
- Não vou faltar, deixa comigo.
- E tem algumas pessoas que querem te ver, é melhor não faltar mesmo. Diga pra Nicole que ela também está convidada. Venha de bermuda e chinelo, já que a festa está longe de ser algo "de gala", sem essas frescuras.
- Tranquilo, tosco, 23:00 eu tô aí.
- Valeu!
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